Um manifesto evangelístico
"Como são belos
os pés dos que anunciam boas novas!" (Rm 10:15)
Movido pela convicção de que
Deus tem um futuro tanto para judeus como para gentios e de que só
evangelizando é que eles atingirão a "plenitude", Paulo faz uma vigorosa
declaração quanto à lógica da evangelização (10.14s.), aludindo também de outras
formas à divulgação do evangelho. A partir destes versículos, portanto, pode-se
resumir o ensino de Paulo em um manifesto constituído de oito pontos.
1. A necessidade de evangelizar: é preciso evangelizar porque enquanto
as pessoas não ouvirem e aceitarem o evangelho elas continuarão perdidas.
Este reconhecimento da
gravidade da situação humana, defendida por Paulo em Romanos 1 - 3, é
indispensável na evangelização. Aos olhos de Deus, todos os seres humanos são
pecadores, culpados e indesculpáveis. Para serem salvos, têm de invocar o nome
do Senhor (10.13); mas só o farão se lhes for dada a oportunidade de ouvirem a
boa
nova (10.14s.).
2. O alvo do evangelismo: toda a raça humana tem de ter a chance de
ouvir o evangelho.
Assim como os céus proclamam a
glória de Deus por toda a terra (10.18), também o testemunho cristão deve
proclamar a sua graça por todo o mundo. Todas as nações necessitam ouvir o
evangelho (1.5; 16.26). Mas Israel também precisa, pois nem seus privilégios
únicos e peculiares (9.4s.), nem seu zelo religioso (10.2), podem constituir-se
em substituto para a fé em Jesus (11.23). Assim, não há distinção entre judeus
e gentios, nem no que diz respeito aos seus pecados (3.22s.), nem quanto ao
meio de alcançar a salvação, pois o mesmo Senhor Jesus "abençoa ricamente
a todos os que o invocam" (10.12). Nunca houve e nunca haverá dois meios
de salvação, um para os gentios e outro para os judeus.
3. O incentivo para evangelizar: a evangelização brota do amor e do
desejo do coração.
Paulo, como patriota judeu,
não demonstrou o mínimo sinal de impaciência, amargura ou desdém pelo fato de
seus compatriotas haverem rejeitado o Messias. Como comenta o Dr. Lloyd-Jones,
Paulo "não manifesta qualquer sinal de mágoa contra eles. Não há a menor
evidência de desprezo em relação a eles. Ele não os repudia, não os denuncia nem
os agride, ou sequer mostra-se irritado com eles."2 Pelo contrário, ele
escreve falando na angústia do seu coração pelo fato de eles estarem perdidos
(9.1s.) e sobre o desejo que alimenta em seu coração para que eles sejam salvos
(10.1). Diz que estaria disposto até a perecer se, com isso, eles pudessem ser
salvos. O evangelismo que não é movido por esse mesmo amor não é autêntico.
4. A natureza da evangelização: evangelizar é compartilhar com os
outros a boa nova do Cristo crucificado e ressurreto.
Evangelizar é divulgar o
evangelho. Por isso não podemos definir o primeiro sem definir o segundo. Em
9.30 — 10.13 Paulo contrapõe o caminho falso e o verdadeiro caminho para a
salvação, e nós devemos fazer a mesma coisa. De maneira especial, precisamos
anunciar a Cristo e o acesso imediato que temos a ele, pois ele veio, morreu e ressuscitou
e pode ser alcançado simplesmente pela fé (10.6ss.).
5. A lógica da evangelização: para evangelizar é preciso enviar
evangelistas, a fim de que as pessoas possam invocar a Cristo e ganhar a
salvação.
Não pode haver salvação sem
que se invoque o nome de Cristo; ninguém pode invocar o seu nome sem que
acredite nas implicações desse ato; não se pode crer em Cristo sem ouvir falar
dele, nem é possível ouvir sem que haja antes a pregação do evangelho; e não
pode haver pregação a não ser que se enviem pregadores (10.13ss.). É verdade que
todo discípulo de Jesus tem de se envolver na divulgação do evangelho;
entretanto, Deus concede a alguns dos seus discípulos o dom e o chamado para
serem evangelistas, e estes a igreja deve solenemente comissionar e autorizar a
pregar.
6. O resultado da evangelização: o evangelismo traz àqueles que creem
bênçãos tais que despertam ciúmes nos outros.
Três vezes, nos capítulos
estudados, Paulo emprega o mesmo verbo grego [para] "provocar ciúmes"
(10.19; 11.11, 14). O "ciúme" nasce do desejo de ter para si algo que
pertence a outra pessoa. Se esse "algo" é a salvação, é compreensível
que as pessoas invejem ou "sintam ciúmes" de quem a recebeu, ou seja,
desejem essa salvação para si. Muitos já se converteram movidos pela
"inveja" ou "ciúme". Um deles foi Robert Robinson, que mais
tarde se tornaria pastor batista, escritor e autor de hinos cristãos. Em 1752,
aos dezessete anos, ele foi ouvir George Whitefield pregar em Londres e se
converteu. Mais tarde escreveria a Whitefield: "Eu fui por pena dos pobres
metodistas iludidos; mas saí de lá com inveja da felicidade deles".
7. A esperança da evangelização: só se pode esperar que a evangelização
seja bem-sucedida se ela for baseada na eleição de Deus.
Eleição e evangelização não
são incompatíveis. Justamente aqueles capítulos que contêm um acentuado ensino
com respeito à eleição contêm igualmente referências muito claras à
necessidade, tanto de se evangelizar através da oração (ou seja, interceder
pelas pessoas para que sejam salvas, 10.1), como de evangelizar através da
pregação (compartilhar a boa nova com os outros, 10.14s.). A responsabilidade
que nos cabe é a de cuidar para que o evangelho seja anunciado pelo mundo todo,
a fim de que todo mundo tenha a oportunidade de ouvir e dar sua resposta.
Afinal, sabemos que a Palavra de Deus é o meio designado por Deus para
despertar a fé (10.17) e, assim, salvar aqueles que crêem.
Não que todos vão aceitar. O
próprio Deus conhece de experiência própria o quanto é traumatizante, doloroso
e humilhante estender pacientemente as mãos a um povo desobediente e obstinado
(10.21). Em suma: "Longe de tornar inútil o evangelismo, a soberania de
Deus na graça é a única coisa que impede o evangelismo de ser inútil."
8. O alvo da evangelização: a evangelização introduz os convertidos na
comunidade do povo de Deus, trazendo assim glória para Deus.
A evangelização não é um fim
em si mesma. Além de outras coisas, ela nos une ao povo de Deus. Na oliveira
única de Deus os gentios convertidos são enxertados e os judeus que crêem são
re-enxertados, de maneira que todos nós compartilhamos da mesma história (que
remonta a Abraão) e da mesma geografia (que se estende pelo mundo todo). E
assim nos regozijamos tanto na continuidade como na solidariedade do povo de
Deus. O alvo supremo da evangelização,
porém, é a glória de Deus. O evangelho manifesta o seu poder, proclama o seu
nome, torna conhecidas as riquezas de sua glória e revela a sua misericórdia
(9.17, 22s.; 11.30ss.). Não há lugar para vangloria — apenas para adoração humilde,
grata e maravilhada. A ele seja a glória para sempre! Amém.
“A mensagem aos
Romanos,” John Stott, p. 199-201.
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